Como funciona a checagem de antecedentes criminais de Uber e 99?

A checagem de antecedentes criminais é uma prática recorrente das empresas de transporte como Uber e 99. A justificativa do ato é para proteger o usuário de pessoas que cometeram crimes e poderiam colocar em risco a segurança da viagem, mas será que essa situação tem amparo na legislação brasileira? Como isso funciona na prática?

Os sites da Uber e da 99 são bem claros ao definir a fase de checagem de antecedentes como um ponto fundamental da entrada no serviço. O que não está claro são os critérios usados para definir quem entra ou quem terá o pedido de registro negado.

Essas companhias não elencam quais fatores são eliminatórios, ou seja, quais crimes alguém precisa ter cometido para ser barrado. Também não especificam se há um tempo mínimo do cometimento da infração penal para ser aceito. Seria uma espécie de banimento eterno? Alguém que foi preso ou processado poderia ser impedido de virar motorista de aplicativo para sempre?

 O objetivo é entender os limites legais dessa prática, se existe algum fator de preconceito envolvido e até os impactos sociais da medida.

O que significa “ter antecedente criminal”?

Primeiramente, é preciso entender o conceito de crime. Toda atitude que viole a lei penal, seja por dolo (proposital) ou culpa (sem consciência), pode ser considerada um crime. Casos onde ocorre omissão, ou seja, quando a pessoa sabe de algo e se cala, também pode ser enquadrado, a depender do potencial ofensivo.

De modo genérico, é possível dizer que um crime pode ser cometido mesmo sem haver punição. Mas, para a legislação ser aplicada e gerar antecedente, é necessário haver a comprovação do ato seguido por um processo penal.

Ter um antecedente criminal significa que o sujeito foi acusado e julgado por um crime, não conseguiu provar sua inocência e acabou condenado pelo Estado a uma penalidade. Ela pode culminar em prisão, se for um delito grave, ou em penas alternativas, no caso de delitos mais “leves”.

Quando os aplicativos de transporte se propõem a fazer tal análise, estão dizendo que vão puxar a ficha do indivíduo junto ao Poder Público para saber se teve alguma atitude desabonadora da sua conduta. Dependendo do delito, fica a critério da empresa decidir se o libera ou não para a função.

99 e Uber podem checar antecedentes?

O doutor em Direito e professor da Estácio Gleibe Pretti explica que as informações para checagem de antecedentes criminais são públicas e qualquer pessoa pode fazer tal verificação. “A empresa tem a liberdade de escolher se pretende contratar uma pessoa ou não. Não existe um embasamento legal que determine a obrigatoriedade de contratar alguém com antecedente, então ela pode negar”, detalha.

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em seu artigo 235-A, estabelece expressamente a exigência da apresentação de antecedentes criminais e até de exame toxicológico para saber se uma pessoa usou drogas ilícitas ou ingeriu álcool recentemente. Porém, tais critérios se aplicam apenas a caminhoneiros, não se estende a motoristas de aplicativos.

Contudo, conforme explica o professor, empresas como Uber e 99 não mantêm vínculo empregatício com os motoristas, por isso nesse caso não se aplicam as regras da CLT. “No caso de apps de transporte, esta é uma relação de trabalho, não de emprego, então não se pode estender qualquer artigo da CLT a essas pessoas”, ressalta Pretti.

Deixar de contratar alguém por ter antecedentes pode ser considerado discriminação? Pretti acredita que sim. “Se isso [a recusa] for feito de forma pública, de forma que terceiros fiquem sabendo daquela situação, isso poderia gerar até assédio moral”, explica.

Mas, em geral, as empresas costumam apenas negar o pedido, sem dar mais explicações sobre a causa da rejeição. Por isso, o professor garante ser muito difícil obter uma comprovação de eventual discriminação, pois seria necessário provar a existência do chamado “prejuízo social”. “Seria preciso provar o envolvimento de outras pessoas, e não somente daquelas correlatas à empresa. Seria uma ação totalmente temerária”, conclui.

O que diz a Uber?

todos os motoristas passam por uma checagem feita por uma “empresa especializada”:

Como parte do processo de cadastramento para utilizar o aplicativo da Uber, todos os motoristas passam por uma checagem de apontamentos criminais realizada por empresa especializada que, a partir dos documentos fornecidos pelo próprio motorista e com consentimento deste, consulta informações de diversos bancos de dados oficiais e públicos de todo o País em busca de apontamentos criminais, na forma da lei”, explica a Uber. “A Uber também realiza rechecagens periódicas dos motoristas já aprovados pelo menos uma vez a cada 12 meses.

O que diz a 99?

A 99 também não informou quais crimes são considerados impeditivos, mas detalhou um pouco mais o seu processo de verificação. A empresa garante realizar a verificação em mais de 40 fontes públicas de dados, como Banco Nacional de Mandado de Prisão, a Receita Federal e os Tribunais de Justiça.

Ela também possui uma parceria com o Denatran para acessar informações sobre o veículo e o condutor. O objetivo disso é checar se há alguma ocorrência ou sinistro relacionado ao carro usado para o serviço.

A companhia reforçou ser necessário ter mais de 19 anos, carteira de habilitação (CNH) definitiva e cumprir todos os requisitos de cadastro feito no app 99Motorista. Além disso, é preciso enviar uma selfie segurando a CNH, bem como cópias do documento e do registro do veículo (CRLV) — o histórico público dos motoristas é analisado a partir do CPF, CNH e CRLV.

O reconhecimento facial periódico é realizado com todos os motoristas antes de eles se conectarem à plataforma. A 99 ainda conta com mais de 50 funcionalidades de segurança, como checagem e validação de cadastros, gravação de áudio, compartilhamento de rotas, botão de emergência e uma central de atendimento 24 horas capacitada para prestar todo tipo de suporte.